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Impacto negativo no PIB X saúde do trabalhador: entenda o debate sobre a escala 6 X1

PEC que propõe reduzir jornada de trabalho para 36 horas semanais, sem corte de salário, levanta questões sobre impacto econômico, estagnação produtiva e saúde do trabalhador CLT

Está em debate no Congresso Nacional a redução da jornada máxima de trabalho, sem corte de salários. Atualmente, a Constituição prevê o limite de 44 horas semanais com um dia de descanso, o que é conhecido como escala 6×1. Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pretende mudar a regra para até 36 horas semanais. A discussão está permeada por argumentos que oscilam entre a saúde do trabalhador e a geração de riqueza do país. Afinal, trabalhar menos pelo mesmo salário é um avanço para a sociedade ou um risco para a economia?

Movimentos sociais afirmam que o atual regime de seis dias de trabalho para um de descanso causa exaustão física e mental dos trabalhadores, afetando a qualidade de vida. Em paralelo, estudos avaliam o impacto econômico da medida, que poderia reduzir o Produto Interno Bruto (PIB) em até 16%, segundo a Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG). Outras análises, como da Fundação Getulio Vargas (FGV), apontam redução entre 3,8% a 11,3%. Além da queda no PIB, os estudos estimam possíveis perdas de emprego e aumento da informalidade.

Questão complexa

Para o professor da FIA Business School Rodolfo Olivo, existe uma “complexidade gigantesca” envolvendo a produção de riqueza do país, o que torna a análise do impacto da medida algo que precisa ser colocado em perspectiva.

“Existe uma complexidade gigantesca de tipos de empresas e de regimes de trabalho. E, além disso, 40% da população brasileira é informal. Ainda que o mercado formal influencie o mercado informal, para 40% dos trabalhadores os efeitos da redução da jornada não vão se aplicar imediatamente”, afirma.

Jackson Teixeira Bittencourt, coordenador do curso de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), pontua que a mudança de jornada pode aumentar os custos das empresas, que terão que contratar mais pessoas para fazer o mesmo serviço caso a produtividade não se mantenha estável com as mesmas horas de trabalho.

Para ele, questões psiquiátricas envolvendo trabalho não estão diretamente ligadas à jornada, como argumentam os defensores da medida. “A pressão de saúde mental está em todo o mercado de trabalho. Ela está vinculada à atividade econômica, ao tipo de empresa em que se trabalha”, diz. Assim, reduzir a jornada poderia não trazer o impacto esperado na qualidade de vida.

Impacto no PIB

Um estudo feito por Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, afirma que a redução de jornada com a manutenção dos salários poderá levar à redução de renda per capita, perda nos salários, fechamento de empresas e vagas.

Nas estimativas do economista, o impacto da medida poderia acarretar em redução no PIB entre 3,8% e 11,3%, a depender do cenário analisado. Ele pondera que as perdas poderiam ser minimizadas com aumento de produtividade, que está estagnada. “Se a produtividade continuar como está ao longo do tempo, ela não vai compensar essas perdas”, pondera.

Outra análise feita pela FIEMG estima que o Brasil poderá ter perda de 16% no PIB caso não tenha ganho na produtividade, o que representa queda de R$ 2,9 trilhões no faturamento dos setores produtivos.

E elevar a produtividade no país é complexo. O país precisaria enfrentar desafios como melhorar a infraestrutura logística, diminuir a alta carga tributária, a complexidade regulatória e a insegurança jurídica, melhorar o nível tecnológico e dar mais educação e qualificação profissional, aponta o estudo. Assim, não bastaria que o trabalhador “rendesse mais” por hora de trabalho.

“O ponto é que não vai ter ganho de produtividade. Esperar que este impacto seja integralmente repassado aos preços… Talvez empresa grande consiga amortecer custo e repassar parte no preço final, mas o Brasil tem mais de 80% de pequenas e médias empresas. Elas não teriam como absorver este custo”, afirma João Gabriel Pio, economista chefe da FIEMG.

E a saúde do trabalhador?

O debate sobre a jornada de trabalho e saúde do trabalhador vem se intensificando. Em 2024, o número de afastamentos do trabalho por transtornos mentais no Brasil atingiu 472.328 licenças, um crescimento de 400% desde a pandemia.

Para o movimento Vida Além do Trabalho (VAT), a jornada de trabalho está ligada à exaustão do trabalhador. João Victor Félix, coordenador nacional do VAT, explica que o grupo luta pelo fim da escala 6×1 porque é essa que está traçada na Constituição, mas há outros regimes de trabalho que também impactam na saúde do trabalhador.

“Usamos a nomenclatura do “fim da escala 6×1” justamente por ser a que existe na Constituição e por entendermos que ela é exagerada. Mas sabemos que tem 5×2, 4×3, tem trabalhadores de 10×1, 15×1, recebemos essas denúncias de empresas que exercem essa atitude”, explica.

“As pessoas precisam estar vivas para gerar a economia. O trabalhador descansado tem tempo para conseguir circular em outros espaços, para viver outros papéis, como mãe, pai, e consumidor. Quem tem só um dia de folga não consegue cuidar de si, tem que se desdobrar para exercer todas as suas funções”, diz Félix.

A ideia de trabalhar menos pelo mesmo salário costuma atrair a classe trabalhadora. Uma petição pública feita pelo VAT sobre o fim da escala 6×1 já recolheu quase 3 milhões de assinaturas. Uma pesquisa do Datafolha divulgada em dezembro do ano passado apontou que 64% dos brasileiros defendem o fim da escala 6×1 e 82% dizem que a jornada diária ideal é de 8 horas de trabalho.

Alternativas para as empresas

Para Eliane Aere, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos em São Paulo (ABRH-SP) e CEO da Umanni, reduzir a jornada de trabalho sem reduzir salários é uma medida que coloca o bem-estar do trabalhador no centro da agenda. “Na prática, o que vemos nas empresas é que um colaborador equilibrado emocionalmente, com tempo para descansar, pensar e viver, é também mais criativo, engajado e produtivo. Ou seja, há ganhos que vão além da produtividade por hora — trata-se de um novo modelo de gestão de energia humana”, afirma.

Buscando esses resultados, algumas empresas já adotam escalas mais flexíveis, como as de 4×1, ou horários reduzidos em alguns dias da semana. “As áreas de RH e gestão de pessoas têm um papel-chave aqui. Elas podem mapear jornadas, ouvir colaboradores, redesenhar cargos e criar indicadores que valorizem não só a entrega, mas também a experiência do colaborador”, diz.

Raphael Henrique, gerente regional para América Latina do Top Employers Institute, que analisa práticas de recursos humanos, afirma que além da proposta em debate no Congresso, o tema da jornada de trabalho tem ganhado destaque no mundo corporativo devido às mudanças amplas nas relações de trabalho.

Empresas certificadas pelo instituto costumam equilibrar performance organizacional e bem-estar dos colaboradores. “Para muitas empresas, investir na qualidade da experiência do colaborador é também uma decisão de negócio — com impactos positivos que vão além da satisfação individual e se refletem na saúde e performance da organização como um todo.”

Desafio da transição

Para Ludymilla Pimenta, professora de psicologia organizacional do trabalho e especialista em futuro do trabalho, afirma que a redução de horas precisa vir acompanhada de mudança na forma como o trabalho é organizado. Além disso, diz Pimenta, o debate passa pelo tipo de sociedade que se quer construir.

“Reduzir a jornada para quem está na ponta — serviços, atendimento, chão de fábrica — é, mais do que viável, uma questão de justiça social e de reequilíbrio das relações de trabalho. O impacto no PIB existe, mas não podemos fazer essa conta só olhando a produção bruta de horas”, diz.

Para Olivo, a saída é uma implantação gradual, com análises de impacto por setor. “O debate sobre a redução de escala já está ocorrendo no mundo inteiro, e não vamos ter como escapar disso”, afirma.

A presidente da ABRH-SP, Eliane Aere, afirma que o impacto no PIB vai depender de como a medida será implementada e do nível de preparação das organizações e setores produtivos. “Se considerarmos políticas de qualificação, inovação tecnológica, reorganização de processos e automação responsável, o impacto pode ser neutro — e até positivo no médio prazo. O desafio está em fazer a transição de maneira estratégica, não improvisada. Custos existem, mas há também o custo da inércia”, diz.

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) afirmou, em nota, que tem acompanhado o debate, que exige “uma discussão aprofundada e detalhada”. “A pasta considera que a redução da jornada de 44 horas semanais é plenamente possível e saudável, diante de uma decisão coletiva.” Para o MTE, a questão deveria ser tratada em convenções e acordos coletivos de trabalho.

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