Em um universo corporativo onde o setor de cobrança é frequentemente visto como um “mal necessário” ou, nas palavras de nossos entrevistados, o “patinho feio”, uma transformação silenciosa — e poderosa — está em curso. Longe da imagem estereotipada do “moedor de carnes”, expressão comum nesse meio, profissionais vêm dedicando décadas de suas carreiras para refinar essa atividade, revelando-a como uma área estratégica, dinâmica e, surpreendentemente, humana.
Neste cenário de mudança, o RH tem papel central. É ele quem pode não apenas compreender, mas impulsionar essa metamorfose, preparando equipes para a hiperpersonalização, capacitando líderes para o equilíbrio entre números e escuta ativa e navegando em desafios modernos, como o impacto das plataformas de apostas (bets) no endividamento. Conversamos com executivos que revelam como a área de Recursos Humanos pode ser o elo entre inteligência emocional, tecnologia e performance na recuperação de crédito.
O profissional de cobrança do futuro exige mais do que técnica: requer empatia, adaptabilidade e inteligência emocional. Segundo Caio Schultz, gerente de cobrança, “cobrar não é por insistência, é por empatia”. A missão, portanto, vai além da negociação: é oferecer soluções e educação financeira, como reforça Eduardo Corsino, supervisor sênior, ao afirmar que é preciso “tratar o cliente de forma humanizada”, entendendo sua realidade financeira para oferecer acordos sustentáveis.
Para o RH, isso significa repensar critérios de recrutamento. Mais do que experiência anterior, é necessário buscar comportamentos, como escuta ativa, resiliência, comunicação estratégica e capacidade de resolver conflitos de forma conciliadora. Como destaca José Mariano Arigony, “é preciso preparar o profissional para a situação de conflito”, algo que começa já no processo seletivo.
Embora o lado humano seja essencial, o domínio técnico não pode ser negligenciado. O RH precisa mapear e desenvolver competências como análise de dados, conhecimento em finanças e familiaridade com ferramentas digitais. A área de cobrança passou a operar com modelos estatísticos, algoritmos preditivos e uso de IA generativa. Ferramentas como Python, R, URAs ativas e WhatsApp passaram a ser aliados estratégicos para abordagens mais eficazes.
Para isso, as áreas de Recursos Humanos e Treinamento e Desenvolvimento precisam atuar de forma integrada, criando trilhas de aprendizagem que contemplem desde fundamentos financeiros até análise de dados, automação e uso de IA em negociações.
O desenvolvimento contínuo dos profissionais de cobrança se tornou prioridade nas organizações que valorizam a experiência do cliente — e o RH é protagonista nesse processo. Como conta Eduardo Corsino, os treinamentos têm foco em argumentação, escuta ativa e abordagem humanizada. Caio Schultz complementa, ressaltando a importância da educação financeira para os próprios agentes, que passam a ser disseminadores desse conhecimento aos devedores.
A cultura organizacional, por sua vez, precisa ser ajustada para que os colaboradores terceirizados estejam imersos nos valores da empresa. “A assessoria terceirizada precisa acreditar que trabalha na própria empresa”, defende Schultz, apontando a importância de treinamentos alinhados e integração entre as áreas.
A cobrança vive uma era de transformação. Hiperpersonalização, IA generativa, Open Finance e automação exigem um novo modelo de operação. Júnior Abrahão, gerente de estratégias, aponta que os dados comportamentais, aliados à análise preditiva e automação, já moldam estratégias personalizadas.
Nesse cenário, o RH precisa atuar com visão de futuro: fomentar a inovação, antecipar impactos sociais e tecnológicos e estar atento a novas fontes de endividamento, como as plataformas de apostas. A inteligência de dados precisa ser acompanhada por inteligência humana — e o RH está no centro dessa equação.
A cobrança pode ser um ambiente de alta pressão. É papel do RH criar condições para que os profissionais se desenvolvam com saúde emocional e propósito. Roberto Agnello aponta que o RH pode e deve mapear gaps de comportamento, oferecer apoio psicológico e promover programas de saúde mental. “O burnout existe na cobrança. E o RH precisa cuidar dessas pessoas”, alerta.
Retenção e engajamento também passam por escuta ativa e desenvolvimento individualizado. “Pessoas boas, motivadas, trazem resultados”, resume Agnello. Ele reforça que entender os sonhos e a trajetória de cada colaborador é tão importante quanto analisar indicadores de desempenho. Planos de Desenvolvimento Individual (PDIs), feedbacks regulares e um ambiente de colaboração e aprendizado contínuo fazem parte desse novo modelo.
O futuro da recuperação de crédito será cada vez mais híbrido — tecnológico e humano, preditivo e empático. O RH é o arquiteto dessa nova configuração. Cabe a ele atrair talentos com propósito, formar líderes resilientes e construir culturas capazes de equilibrar performance com bem-estar.
A cobrança não é mais apenas sobre números. É sobre relações. E é o RH quem tem o poder de moldá-las para que, além de recuperar valores financeiros, as empresas recuperem algo ainda mais valioso: a confiança do cliente.